quarta-feira, 29 de setembro de 2021

 

RECORTE DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA.

 

“Eu, que me queixava de não ter sapatos, encontrei um mendigo que não tinha pés”.  Por mais chinesa que possa ser, esta máxima exprime o caráter do brasileiro, capaz de saltitar de alegria por ver alguém mais lascado que ele.

 

Era o ano de 1986.  O presidente José Sarney herda um país destroçado por inflação e por sucessivos governos militares.  Uma prova de que, para comandar basta ter subordinados; para governar é preciso ter competência.

 

Sarney convoca um grupo de renomados economistas para tentar tirar o país da crise.  Instituem o Plano Cruzado.  Preços são congelados, perdas salariais são recompostas.

 

Com a melhora do poder aquisitivo, trabalhadores se igualam a ricos nas filas dos açougues.  Frigoríficos cobram ágio para fornecer carne.  Açougues repassam o ágio ao consumidor.  Ricos, que detestam filas, pagam o ágio, sorridentes, e destroçam o Plano Cruzado.

O pobre volta a passar fome, o Brasil retorna ao lodo.  Viva a elite brasileira!

URUBU, O MAIOR DE TODOS.


Morei numa cidade onde os coletores de lixo têm o costume de distribuir santinhos, nas proximidades das festas natalinas.   É uma maneira de lembrar aos moradores que o gari está presente e quer presente.

Era quase madrugada do dia 25 de dezembro, quando o caminhão de lixo passou, buzinando, catando os presentes e os poucos sacos de lixo.  Os sacos de lixo eram poucos, porque era quase madrugada.


No horário de costume, passaram os garis que realmente coletavam o lixo da nossa rua.  Não havia mais presente.  Fiquei com o episódio na cabeça, maldizendo os garis desonestos.  Sentia-me como o Cézar, totalmente desapontado:  - Até tu, Brutos!


Dias depois fui convidada à assistir palestra sobre Qualidade.  O Instrutor, não sei porque, enveredou pelo ramo do social.  Falou que uma sociedade tanto precisava de medico quanto de gari e continuou destacando a importância dos coletores de lixo.  Eu, que ainda estava muito revoltado com garis, não resisti:

- Mais importante do que coletor de lixo, só urubu!

 

NA VIDA COMO NO BONDE.

 

Um bonde inicia a viagem com 20 passageiros.  Na primeira estação sobem 5 passageiros e descem 3.  Na segunda estação, sobem mais 5 passageiros e descem 2.  Na terceira estação sobem novamente 5 passageiros e descem 4.  Pergunta-se:  Quantos passageiros que iniciaram a viagem chegaram à quarta estação?

 

O amigo desconsidera os que subiram pelo caminho, pois não estavam no bonde desde o início.  Então, 20 – 3 – 2 – 4 = 11.

 

Parece correto; mas onde foi dito que os quatro que desceram na terceira estação não eram do grupo que subiu na segunda?  E que os dois que desceram na segunda não haviam subido na primeira?  Não está excluída a possibilidade de terem descido apenas 3 dos passageiros que iniciaram a viagem.  Neste caso, 20 – 3 = 17.

O problema apresenta diversas possibilidades de soluções.

 

Na vida as coisas acontecem como neste bonde.  Via de regra, não temos informações que possibilitem a solução dos problemas.  O difícil é admitirmos nossa própria ignorância e não querer parecer o gênio da lamparina.

COMO DIZ O VELHO DESDENTADO.

 

Talvez o fato de me considerar um bom criador de frases faça com que não dê valor a citações de sábios e a ditos populares.  Quem sabe andar de bicicleta não vê nisto grande façanha.

 

Carl Sagan, que era ateu, criou a frase “Somos feitos de pó de estrelas”, que deixaria um crente extasiado: “É verdade.  Deus fez primeiro as estrelas e do pó das estrelas fez o homem”.

 

A famosa citação de Saramago, “Quer ser ateu?  Leia a bíblia”,  carece de fundamento. Ser ateu vai além de ser contra o judaísmo; é não acreditar em nenhum deus, seja Jeová, Ogum, Shiva.

 

Há um dito popular “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, contestado pelo corolário: “Quem faz sempre a mesma coisa obtém sempre o mesmo resultado”.  De fato, se você dividisse a “água” em porções, veria que infinitas porções de água se arrebentaram na pedra, antes que esta fosse furada.

 

Outra causa da fragilidade dos ditados é a mudança que o tempo impõe aos valores morais.  Pergunte a um amante da natureza se “um pássaro na mão vale mais do que dois voando”.


 

ENTRE CURUBAS E PEREBAS

 

Pergunte a um cristão pai de família, o que ele acharia, se um bandido sequestrasse seus filhos pequenos e, depois, lhe trouxesse outras crianças para substituir as que sequestrou?

Se ele responder que isto é loucura, concorde; mas acrescente que, segundo a bíblia, um deus chamado Javé teria cometido loucura ainda maior com um crente chamado Jó.

Deus mandou roubar o gado e queimar todas as posses do Jó.  Depois encheu-o de perebas e curubas, do couro da cabeça à sola do pé: por último, matou sua mulher e seus filhos.  E, uma vez satisfeito com temente e demente servo, deu a ele outra mulher e outros filhos.

 

Jó foi submetido a todo o tipo de desgraça, porque o deus queria provar a Satanás e a si mesmo, que o crente era, de fato, “temente a deus”.  E justo um deus que deveria ser onisciente.

 

A propósito:  A diferença entre pereba e curuba é que pereba dá no pé.

CRÔNICA DO TALO DA ABÓBORA.

 

São dezenas de textos, chamando-nos a refletir, a fazer reciclagem espiritual, neste tempo de pandemia.  Lições de moral coletivas, para quem gosta de tomar lição de moral.

A carapuça, além de não me servir, revolta-me.  Não bote nas minhas costas a cangalha das dores do mundo. 

Há dois tipos de indivíduos: os que nascem com a flor de abóbora no ânus e os que nascem com o talo.  Pertenço ao segundo grupo.  Sou da turma que não come o vatapá, mas que sofre as caganeiras.

Na ordem mundial vigente, pobres são escravos.  Não mais de donos de fazenda; mas dos donos do capital.  As regras do capitalismo substituem os grilhões e os chicotes.  Forças armadas e sacerdotes são os novos feitores.

Só os donos do capital podem mudar o rumo da História - e não o farão enquanto não tiverem uma tocha enfiada no rabo, até porque, a inércia é a essência do conservadorismo.  Então, ascenda a sua tocha, vá tacar fogo nos orifícios dos ricos e deixe o meu sofrido traseiro em paz

 

A SANTA DA PILHA FRACA.

 

Fui à Aparecida do Norte, acompanhando um amigo. Enquanto ele pagava suas promessas, zanzei pelos arredores da basílica. A “sala dos milagres” pareceu-me um museu de cera para aleijados.  Era pé de cera, mão de cera, orelha de cera...  Não lembro de ter visto pênis ou vulva de cera.

Havia muitos quadros com narrativas de milagres.  Em um deles, o cidadão agradecia à santa por ser o único sobrevivente da capotagem do pau-de-arara.  Pensei no porquê da santa que esteve no local ter salvo apenas um dos acidentados e na desculpa que teria dado aos candidatos a defuntos:

- Você apresentou seu pedido de socorro fora do prazo.

- Seu cartão de salvamento está vencido.

- Vim salvar somente o meu fiel, aguarde seu santo padroeiro.

 

Há outra possibilidade.  Santos não são humanos; mas, com certeza, também precisam de energia para executar suas tarefas.  Pode ser que a santa tenha descido a ribanceira e, quando subiu de volta com o primeiro acidentado, tenha acabado a bateria.

 


MINHA TERRA TEM PEPPERONI.

 

Faz 2300 anos que viveu na Grécia um sábio chamado Eratóstenes.  Disseram-lhe que, ao meio dia de determinado dia do ano, o sol podia ser visto no fundo de um poço em Siena, algo que não acontecia na cidade de Alexandria, na mesma data e hora.

 

Pensou:  Isto só é possível se a superfície da terra formar um arco.  Sabendo da distância entre as cidades, Eratóstenes fincou uma vara em Alexandria, mediu a sombra, calculou o ângulo e sentenciou:  - “A terra é redonda, seu perímetro é de 40 mil Km.”

 

Eratóstenes acertou, na mosca.  É espantoso que, em plena Era do turismo espacial, haja charlatão vendendo “conhecimento” sobre a terra em forma de pizza.  Mais espantoso, ainda, é que haja quem consuma tamanha bobagem (e sem pepperoni).